segunda-feira, 1 de março de 2010

Para o mano Caetano

Tem coisas que a gente não espera ver nunca na vida, Caetano.

Não me refiro à sua agressão gratuita ao presidente Lula, porque já cheguei à conclusão de que quando você não tem o que dizer, diz alguma coisa assim mesmo, uma besteira qualquer, para ver se as pessoas não esquecem de você.

Mas eu não esperava que a própria dona Canô viesse lhe dar um esporro público. E não esperava ver a elegância com que o homem que você chamou de grosseiro e cafona reagiu diante disso, e com um gesto simples, um telefonema de nada, colocou as coisas em seu devido lugar e mostrou quem é grosseiro e quem é realmente elegante.

Eu não consigo lembrar de alguma ocasião na política brasileira em que um presidente tão atacado do ponto de vista pessoal — não por você, que cá entre nós suas opiniões políticas não são lá muito dignas de crédito ou atenção, mas por uma imprensa especializada em mentira e em se aproveitar de declarações infelizes de bobos alegres — tenha sido capaz de um gesto de tanta classe, e ao mesmo tempo tão simples.

É isso que você chama de cafonice, Caetano? Um homem que, mesmo agredido, consola a mãe do agressor? É isso que você chama de cafonice e grosseria?

O mais engraçado em tudo isso é que para você o Lula é analfabeto, mas o casca-grossa, o grosseiro e ignorante em toda essa história foi você. Agrediu um homem desnecessariamente, e em vez de conseguir a polêmica que queria apenas deu a ele a oportunidade de ser magnânimo e generoso. Você disse que o Lula não sabe falar; mas me parece que enquanto da boca do presidente saíram palavras de conforto e acima de tudo elegantes, da sua — um intelectual reconhecido por muita gente, um senhor artista e cantor autor de livros publicados e filmes exibidos — saíram apenas bobagens repetidas, ditas com ódio injustificado: grosseiro, cafona, não sabe falar.

Onde você é grosseria e agressividade, o Lula foi elegância e delicadeza; e considerando que você perdeu uma grande oportunidade de ficar calado, ou de apenas declinar sua intenção de voto em Marina Silva, eu chego à conclusão de que você não é proveito, é pura fama. Sinto lhe informar algo que você já deve saber: nessa, Lula comeu o seu coração. Trincou, mordeu, mastigou, engoliu, mascou, moeu, triurou, deglutiu, comeu seu coraçãozinho de galinha num xinxim.

Eu não estou dizendo que seja muito fácil para você estar na posição em que está. Um de seus amigos, Gilberto Gil, foi ministro do presidente que você chama de analfabeto, e realizou um grande trabalho à frente da cultura brasileira. Sua mãe, uma tradição baiana de 102 anos, diz que gosta do presidente Lula e se sentiu incomodada com as suas palavras; e como coração de mãe é infinito tentou desculpar você chegando à essência da verdade: “Caetano é só um cantor”. Você ganha muito dinheiro apelando para leis de incentivo fiscal, as mesmas que enriqueceram a produtora de cinema de sua mulher. Poucos, como você, conseguiram aproveitar tão bem a onda de crescimento do país e o impulso que o governo Lula deu à cultura nacional. Por isso sou o primeiro a admitir que, sim, para você deve ser difícil adotar uma posição extremamente preconceituosa e elitista enquanto a realidade que lhe cerca lhe desmente a cada dia.

Você, eu sei, é fã de Fernando Henrique Cardoso. Quando o excelentíssimo senhor acadêmico era presidente, ele respondia às críticas de Chico Buarque ao modelo de país que implantava dizendo preferir você; e talvez seja esse incômodo diante da democracia e da convivência com um ponto de vista diferente que acabam aproximando vocês dois. Como duas comadres de maus bofes e mal amadas, vocês parecem fofocar entre si, conversinhas miúdas que não levam a nada

Fernando Henrique é aquele político brasileiro que faz filhos nas empregadas de casa e não os assume. O homem que o senhor venera e considera modelo para o país é o sujeito que esperava dona Ruth dormir para se esgueirar até o quarto da empregada, velho sátiro babão que se aproveitava de sua condição social; já o cafona grosseiro é aquele que ligou para sua mãe e disse umas duas palavrinhas de conforto, sabendo que ela ficou incomodada com as suas declarações bobas — bobas até para o padrão baixo que você tem seguido nos últimos anos; esse papo seu tá qualquer coisa, você já tá pra lá de Marrakesh.

Falei em dona Ruth e me lembrei que ela era uma muher admirável; talvez seja coincidência, mas as últimas notícias que vêm do excelentíssimo senhor sociólogo me dão a impressão de que com a morte de dona Ruth aquele senhor idoso perdeu o seu referencial moral; e não me refiro apenas às notícias de escapadelas senhoriais (que apenas me sugerem que ele sempre foi assim, escondido debaixo da capa da hipocrisia), mas ao teor de suas declarações, à sua disposição de se expor ao ridículo.

Caetano, acho que o seu problema é muito simples: você não consegue entender o novo. De certa maneira é triste ver que um sujeito a quem a cultura brasileira deve tanto, a quem a música pode olhar e dizer “eu sou filha ou neta dele”, tenha escolhido passar sua velhice dando sinais prematuros de caduquice. O tempo passou na janela e só Caetano não viu. Alguma coisa está fora da ordem, Caetano. E essa coisa é você.

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